HomeHistóriaMPF pede suspensão de esgoto que compromete sítio arqueológico na PB

MPF pede suspensão de esgoto que compromete sítio arqueológico na PB

Liminar obtida pelo MPF ordena que prefeitura de Junco do Seridó pare de despejar esgoto em área com inscrições de milhares de anos

FÁBIO DE CASTRO

Parcialmente submersas por um riacho, as gravuras rupestres de um sítio arqueológico no município de Junco do Seridó, no sertão da Paraíba, estão sendo degradadas há pelo menos 10 anos pelo despejo de esgoto urbano. Na terça-feira (5), uma liminar obtida pelo Ministério Público Federal determinou que a prefeitura cesse o lançamento de dejetos no riacho e desenvolva um projeto sustentável de tratamento de resíduos.
Localizada a 230 quilômetros de João Pessoa, Junco do Seridó abriga o sítio arqueológico de Itacoatiaras do Chorão, um dos cinco locais onde há gravuras rupestres de milhares de anos no Vale do Sabugi paraibano.
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De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na Paraíba, o sítio, que fica em uma propriedade privada, é cadastrado “como de arte rupestre, tem valor significativo para o patrimônio cultural nacional, é protegido por lei e, por ter caráter finito, sua destruição não pode ser revertida”.
ação civil pública ajuizada pelo MPF em Patos (PB) acusa a prefeitura de Junco do Seridó – cidade de 7 mil habitantes – de despejar o esgoto urbano no riacho do Chorão, que deságua no sítio arqueológico, submergindo parte das gravuras em baixo relevo.
Segundo a decisão do juiz Claudio Girão, da 14ª Vara da Justiça Federal, a prefeitura terá 30 dias para cessar o despejo de resíduos líquidos no riacho do Chorão e mais 120 dias para apresentar um projeto sustentável de tratamento de resíduos que evite permanentemente o lançamento dos esgotos no local. Em caso de descumprimento, será aplicada ao prefeito, Kleber de Medeiros (PSB), uma multa pessoal de R$ 1 mil por dia de atraso.
Falta de saneamento
De acordo com o procurador da República Tiago Misael, o inquérito mostrou que o problema já havia sido apontado há 10 anos pelo pesquisador Juvandi Santos, do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), no site da instituição. Mas a denúncia nunca havia chegado aos órgãos federais.
“Nós mesmos não sabíamos da existência desse sítio arqueológico. Mas no início de 2017, fui procurado pelo dono da propriedade, que trouxe fotos e vídeos mostrando a degradação do local”, disse Misael a Direto da Ciência.
Segundo o procurador, o município não tem saneamento básico, e todos os resíduos sólidos de todas as casas da cidade são lançados em valas que desaguam no riacho do Chorão. “Do ponto de vista ambiental, o riacho está destruído, é uma vala de dejetos.”
 

Omissão da prefeitura

Inicialmente, o MPF tentou uma saída extrajudicial, segundo Misael, e em uma primeira reunião o prefeito alegou não ter recursos para obras de saneamento. “Tudo foi ocasionado pela falta de saneamento, mas isso não pode ser usado como justificativa para que nada seja feito em relação à preservação emergencial. Na segunda reunião, o prefeito não compareceu e não deu justificativas, por isso resolvemos entrar na Justiça”, disse.
Para o procurador, a decisão da Justiça não apenas evitará a destruição das gravuras rupestres de Itacoatiaras do Chorão, mas poderá trazer a conservação de sítios arqueológicos ao debate nacional. “Há muitos sítios arqueológicos na região e não sabemos como eles estão. São bastante escondidos e em geral só as pessoas que moram no local têm conhecimento. Mas me parece que há muitos outros casos de degradação.”
Procurado nos dias 4, 5 e 6 de fevereiro, o prefeito Kleber de Medeiros não respondeu aos telefonemas e e-mails de Direto da Ciência até a publicação desta reportagem.
 

Mapa da destruição

Em visita realizada em 2009 ao sítio de Itacoatiaras do Chorão com sua equipe de arqueólogos, o professor Juvandi Santos já havia denunciado a degradação do local. Ele afirma que há muitos outros sítios arqueológicos e paleontológicos degradados no sertão paraibano.
“Em 2007, criamos um projeto de pesquisa denominado ‘O Mapa da Destruição’, usando uma metodologia específica para inventariar a degradação em sítios arqueológicos, paleontológicos e espeleológicos. Em 2012 abandonamos o projeto, porque percebemos que praticamente todos os sítios estavam degradados”, disse Santos a Direto da Ciência.
Além de Itacoatiaras do Chorão, o sertão paraibano abriga outros cinco sítios com gravuras rupestres a céu aberto – ou itacoatiaras –, localizados em São Mamede (sítios Tapera e Tapuio) e São José do Sabugi (sítios Pedra Lavrada e Tapuio). A palavra “itacoatiara” tem origem no tupi com os termos “ita” (pedra) e “cuatiara” (risco, desenho, inscrições, garatujas), e significa pedra escrita, riscada.
 

Abandono e vandalismo

“Em São Mamede, há um sítio formidável, com uma itacoatiara gigantesca, com gravuras espalhadas por um ou dois hectares. Ali, o pessoal quebra os blocos de granito para transformá-los em pedras de calçamento. Recentemente visitamos um outro sítio, a 100 quilômetros de Campina Grande, e encontramos os paredões de gravuras rupestres completamente pichados. Esse tipo de vandalismo é extremamente recorrente”, disse Santos.
Mas a pior situação, segundo o professor da UEPB, está mesmo no sítio de Itacoatiaras do Chorão. “Voltei ali uma ou duas vezes depois de 2009, mas nunca me esqueci da primeira visita. Ali eu encontrei a cena mais dantesca que já testemunhei desde que comecei a trabalhar no campo da arqueologia, há quase 30 anos. O riacho é tomado pela lama do esgoto e os porcos passam esfregando o corpo sobre as gravuras”, contou.
Segundo Santos, o sítio de Junco do Seridó tem alto valor científico. “Muito raramente encontramos gravuras cavadas na pedra como em Itacoatiaras do Chorão e em Itacoatiaras do Ingá. Além disso, em geral, o suporte das gravuras rupestres é o granito. As gravuras em rochas areníticas só são encontradas em Junco do Seridó, Pedra Lavada e Picuí”, disse o arqueólogo.

Na imagem acima, rochas com pinturas rupestres parcialmente submersas por esgoto em Junco do Seridó, na Paraíba. Foto: MPF/PB/Divulgação.

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