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O velho e saboroso Cuscuz Bondade

PARAHYBA E SUAS HISTÓRIAS

 

É fascinante como cheiros e sabores se mostram tão poderosos no resgate de memórias e na conexão com nossa história pessoal. Estou falando isso porque ontem (para deixar mais claro, nesta terça-feira, 10 de outubro de 2023), tomei um café da manhã do qual fez parte o saudoso cuscuz Bondade, no leite de coco, e me transportei diretamente para a infância vivida no centro da cidade de João Pessoa. Atendia convite absolutamente irrecusável de Luiz Henrique, o intrépido jornalista há pouco tempo desbravador de sucesso das terras do Cerrado, e de volta a João Pessoa, pontuando entre a Rádio Quintal, com sede na Torre (onde também mora), emissora online produzida por ele, e o Revista Estadual que comanda dos estúdios da Tabajara para a Paraíba inteira.

Tal como eu, sei que muitos admiradores do cuscuz Bondade desconheciam que este alimento ainda estava à venda em João Pessoa. A produção é feita em pequena escala, ainda mais do que foi na sua época de ouro. Naquele tempo, vendedores de cuscuz Bondade percorriam as ruas da cidade num circuito que, acredito, devia se estender a Cruz das Armas (onde, diziam, ficava a fábrica), ABC, Jaguaribe, Centro, Varadouro, Cordão Encarnado, Roger (outro suposto ponto de referência para a fábrica), Tambiá, Mandacaru, Pedro Gondim, Torre e Expedicionários. Essa era a João Pessoa de então, além de Miramar, Tambaú e Penha, onde não sei se o produto chegava. O cuscuz Bondade chegava às casas bem cedo, entre as cinco e as seis e meia, de forma que ainda dava para inseri-lo no café da manhã, antes, portanto, de a meninada sair para as aulas.

O produto podia ser considerado, à época, como a peça de resistência da maior parte dos que estudavam pela manhã nos colégios da Capital. Para alguns meninos e meninas mais abusados com a alimentação, era mesmo a única iguaria que eles se dispunham a comer antes de ir para o Colégio. Como anúncio, os vendedores do cuscuz Bondade tocavam um realejo pequeno de plástico. O toque acabava funcionando como uma espécie de despertador, a lembrar que estava na hora de ir para o “bendito” colégio. O toque do vendedor de cuscuz se diferenciava do que era produzido pelos amoladores de tesoura, ou da roda de metal sonorizada com batidas de uma barrinha de ferro, com a qual os soldadores de panela se anunciavam. Difícil encontrar um pessoense com mais de 50 anos, ou morador de João Pessoa com o mesmo tempo de vivência por aqui, que não relembre o Bondade.

Ele faz parte, ao lado de tantos dizeres, acontecimentos, personagens, lugares, lendas e verdades, cheiros e sabores, da formação do pessoense e do espírito da cidade. Pois, o cuscuz Bondade que comi ontem é igual em tudo por tudo ao de outrora. Não apenas tem o mesmo formato e gosto do cuscuz Bondade de sempre, como o vendedor também transita pelas ruas de rodilha na cabeça sustentando o mesmo tabuleiro fechado de antigamente e armado com o mesmo realejo. O vendedor tem circuito de venda limitado a Jaguaribe-Torre-Expedicionários. Mas todos os dias.  Perguntamos o nome dele. “Paulo”, respondeu. “De que?”. “Paulo do Cuscuz”, respondeu desabusado. Deu tempo ainda para dizer que faz isso desde 1976, quando tinha ainda 8 anos de idade, ajudando o pai que vinha de ser vendedor de cuscuz Bondade em Olinda. Sobre a idade da receita respondeu firme: “mais de 100 anos”. É o fraco!

 

SÉRGIO BOTELHO é jornalista e colaborador do REVISTA ESTADUAL e da RÁDIO QUINTAL

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