Luís Nassif:
“Forma-se a tempestade perfeita. E, desta vez, contra Bolsonaro. Aparentemente, o pesadelo bolsonarista entra na fase agônica. Em breve, será substituído por outros pesadelos, de um país que abdicou do senso civilizatório.”
O jogo é simples de entender
Em qualquer organização criminosa, a coesão depende da capacidade do chefe de se mostrar poderoso. Quando começa a vacilar, ocorre o desembarque dos aliados de ocasião e, principalmente, daqueles envolvidos em ações criminosas.
Era essa a percepção de Bolsonaro, quando ampliou-se seu conflito com o Supremo Tribunal Federal (STF). Gradativamente, seus principais seguidores foram sendo engolfados por denúncias e ações judiciais – os irmãos Weintraub, Ricardo Salles, general Pazuello. A CPI da Covid acelerou o processo, denunciando os militares envolvidos na esbórnia da saúde.
Montou-se um cabo de guerra, tendo de um lado Alexandre de Morais, Ministro do STF, e de outro Bolsonaro. Entende-se por aí o desespero de Bolsonaro. Se ele não enfrentasse e vencesse a contenda, haveria a debandada de seu grupo.
No desespero, tentou de tudo. Apelou para as Forças Armadas, blefou o quanto pôde, fez paradas de motos, convocou seguidores para manifestações, valeu-se o quanto pôde do Gabinete do Ódio.
Nada deteve a marcha do STF.
E aí revelaram-se dois Bolsonaros, o da realidade virtual e o do mundo real.
O da realidade virtual tem a assessoria profissional de Steve Bannon, no objetivo único de animar seguidores. O do mundo real é cercado de uma mediocridade ampla e irrestrita, de generais da reserva oportunistas, sem lastro intelectual e sem conhecimento político. Só um completo analfabeto político faria como o ministro da Defesa, Braga Netto, de blefar na ameaça ao Congresso, e não ter mais nenhuma carta à mão quando Congresso e STF pagaram para ver.
Paralelamente, o governo Bolsonaro passou a ser totalmente desacreditado no front econômico. No início, Guedes se sustentou com sua conversa de vendedor de biotônico e sua disposição de entregar ao mercado os grandes negócios da privatização. Era uma maneira de disfarçar sua gritante anomia em relação aos problemas reais da economia.
Gradativamente, as magias de Bolsonaro e Guedes foram cansando por falta de inovação. Sempre a mesma coisa, Bolsonaro criando eventos para chocar e Guedes manipulando conclusões econômicas falsas. O avanço inexorável da realidade esvaziou ambos os discursos.
Agora se tem a derrota plena de Bolsonaro nas seguintes frentes:
• perdeu a batalha para o STF, depois de uma tentativa desastrada de tentar individualizar os alvos – Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Conseguiu a unanimidade do Supremo em defesa dos seus.
• O blefe do impeachment de ambos os Ministros. Teve que voltar atrás na forma mais atabalhoada possível: em uma mesma live, dizendo-se aberto para rever a ambos e, ao mesmo tempo, reiterando as críticas. Um bufão!
• O blefe da intervenção militar, claramente exposto pelo cantor Sérgio Reis. Bolsonaro só conseguiria mobilizar as Forças Armadas no bojo de grandes movimentações populares em defesa do golpe. Não conseguiu uma coisa nem outra. Já Sérgio Reis conseguiu um processo do qual não irá se livrar facilmente.
• O blefe da ameaça de Braga Netto ao Congresso. Teve que aceitar uma convocação para uma audiência na qual ouviu de um
deputado da oposição – Paulo Teixeira, do PT – que, se não acatasse a Constituição, seria preso.
• A total desarticulação de Paulo Guedes com a reforma tributária, e tentando se equilibrar entre o auxilio-emergencial – essencial para a recondução de Bolsonaro – e a Lei do Teto.
• As declarações do presidente do Senado, que desceu do muro para atacar as ameaças às eleições.
• O cerco implacável ao Procurador Geral da República Augusto Aras, obrigando-o a atuar com firmeza na denúncia dos quadros bolsonaristas que ameaçavam manifestações no dia 7 de Setembro.
• Derretimento gradativo de sua popularidade
Agora, o primarismo de Bolsonaro, que o habilita no máximo a jogos de porrinha, terá que enfrentar um xadrez complexo.
Se avançar mais, será impichado.
Se não avançar, perderá sua base.
Não tem a menor condição de propor um pacto nacional, por não ter dimensão política, nem credibilidade.
O pior é que, para ele, não há empate. Sendo apeado do poder, será julgado, condenado e amargará prisão por seus crimes. Não apenas ele como todos os seus filhos.
Bolsonaro não tem nem dimensão política para negociar uma lei da anistia, igual àquela que preservou da Justiça militares sanguinários, que voltaram ao poder com ele.”
Luis Nassif no Jornal GGN